Opinião

Que o Ano seja, de fato, Novo

Por Paulo Rosa
Piratini, terceiro distrito
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Apenas um pedido: que em 2024 não percamos a posição de aprendiz. A maior tragédia é distanciar-nos da consciência de que nada sabemos, latu sensu. O pouco que conhecemos, comparado ao universo do quanto ignoramos, é grão de sal no deserto de Atacama. Em qualquer área que a amiga atue - sigo aqui Millôr, falo a elas por serem mais numerosas e para evitar a chatice dos cuidados ditos de gênero - o saber é por demais parcimonioso, ante uma ignorância sempre olimpicamente copiosa.

Esse cuidado, em Medicina, p.e., é decisivo. Ainda que avancemos nas pesquisas, nada nos autoriza a nos sentirmos “cancheiros” ante o paciente que chega. Por mais que constatemos, se o exame de escarro for positivo, que o enfermo está tuberculoso, cada um viverá sua doença de forma específica, de maneira própria, incomensurável. O médico precisa prestar-lhe o atendimento que corresponde, sendo este pessoal e intransferível. Não há, ou não deveria haver, serviço médico tipo roupa prêt-à-porter. Toda atenção de qualidade será taylor-made, i.e., feita à medida, no alfaiate. Estudos sobre eficácia das consultas sugerem que médicas jovens tendam a ser mais eficazes nos atendimentos, por terem menos tendência a se “acharem que sabem”. Ideal médico, portanto: estudar muito, colher ampla experiência, permanecer aprendiz. 

Aliás, esse autocuidado, em qualquer função que nos caiba, salva-nos da vergonha e da infâmia de nos tornarmos arrogantes. Quer desgraça maior? Há pessoas com intolerância ao glúten. Eu a tenho pelas arrogantes. Reconheço, problema meu. Estudos freudianos sobre arrogância sugerem a presença de um eu muito fragilizado, além de importante desconexão com a realidade. Valorizo a proposta, mas me falta ainda trabalho para superar minha dificuldade. Falando comigo, penso: de onde os humanos tirarão arrogância, se viajamos todos numa bola de terra, com fogo dentro, que se desloca em alta velocidade, não se sabe para onde? 

Juízas, sejam de futebol, sejam as Supremas do STF, advogadas, engenheiras, arquitetas, contadoras, economistas, o que forem, se atinadas estiverem, jamais dispensarão a consciência de aprendizes. Nossa salvação. E a delas. 

Por fim, a posição de aprendiz te livra do vexame de ser pretenciosa, ridícula, além do que te põe em sintonia com o mais belo verso do Ferreira Gullar: “uma parte de mim é permanente / outra parte se sabe de repente”. Àquelas de tendência à autopromoção convêm ficarem ligadas a seu quantum repentino, aí se encontra o antídoto para o combate à arrogância. A amiga poderá levar quatro PhDs, nunca estará a salvo de julgamento equivocado no amanhã. É a parte permanente, ensina o poeta, que vos fará derrapar. 

Persiga: sou doutora, logo, erro. Ou, cutucando cartesianas imparáveis: “penso, logo, penso que existo”, assim reflete A. Bierce, no Dicionário do Diabo. 

Reitero: touca extensiva à rapaziada. Antes que me acusem de misoginia.

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